Depressão, tristeza e falta de perspectiva. Muitas são as causas que podem levar uma pessoa a querer desistir da própria vida. Por esse motivo, talvez possa ser difícil identificar se o indivíduo apresenta, de fato, um comportamento suicida ou apenas está passando por uma fase difícil.
Assim, é importante que os profissionais da saúde, especialmente os médicos da Atenção Primária, que estão na linha de frente das Unidades Básicas de Saúde, consigam identificar os riscos e ajudar os pacientes, sem distinção ou preconceitos. Afinal, saber reconhecer os sinais de alerta pode salvar vidas, tanto que a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que é possível prevenir o suicídio.
E se você sonha em atuar na área médica ou já está estudando medicina, conheça as cinco regras para fazer uma abordagem segura do paciente em risco de suicídio e saiba como conversar e o que perguntar à pessoa, seguindo um questionário com apenas seis perguntas fundamentais. E o principal: saiba como identificar o risco de vida do indivíduo.
Mas por que não falamos sobre o suicídio?
O tema é tão sensível que nem a sociedade, nem mesmo os veículos de comunicação gostam de falar sobre o ato suicida:
– Quem está em sofrimento, sente vergonha de se expor, para não ser estigmatizado;
– Já a população ainda acha o assunto um tabu, por ser moral, religiosa e culturalmente reprovável;
– E os veículos de Comunicação veem o suicídio como algo chocante, que, se difundido em massa, poderia estimular que outras pessoas mais vulneráveis optassem em tirar a própria vida, numa espécie de contágio coletivo. O assunto é tão velado que a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) elaboraram um manual especificamente voltado a profissionais da imprensa sobre o “Comportamento Suicida: conhecer para prevenir”, que orienta como abordar essa questão na mídia.
O que é o suicídio?
A cartilha “Suicídio – Informando para Prevenir”, também do CFM, foi criada especialmente para transmitir informações que podem ajudar a sociedade a desmitificar a cultura e o tabu em torno do tema e ainda auxiliar os médicos a identificar, tratar e instruir seus pacientes. O conteúdo explica que o suicídio pode ser definido como um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, mesmo que ambivalente, usando um meio que ele acredita ser letal.
O que faz parte do comportamento suicida?
O material do CFM, indica que fazem parte do comportamento suicida os pensamentos, os planos e a tentativa de morrer. Conforme a publicação, 17% dos brasileiros já pensaram, em algum momento, em acabar com a própria vida.
O suicídio teria relação com acontecimentos pontuais?
Não. A cartilha do CFM defende que o suicídio deve ser considerado como o desfecho de uma série de fatores que se acumulam na história do indivíduo, não podendo ser considerado de forma causal e simplista relativo apenas a determinados acontecimentos pontuais da vida do sujeito. Seria a consequência final de um processo.
Afinal, por que a pessoa decide se suicidar?
Conforme o Ministério da Saúde (MS), não existe uma resposta única para essa pergunta. Na verdade, o suicídio está relacionado a uma gama de fatores, de natureza:
- Sociológica;
- Econômica;
- Política;
- Cultural;
- Psicológica e psicopatológica (como as doenças mentais);
- Biológica.
Quais são os principais fatores de risco que podem levar ao suicídio?
Os dois principais fatores de risco são a tentativa prévia (uma vez que 50% daqueles que se suicidaram já haviam tentado) e a presença de transtorno mental, mas outros aspectos também estão diretamente ligados aos índices de suicídio, como:
– Uso de álcool e outras drogas;
– Desesperança e desespero: busca de sentido existencial, razão para viver, falta de habilidade de resolução de problemas;
– Isolamento social e ausência de amigos íntimos;
– Possuir acesso a meios letais (como armas e remédios);
– Impulsividade (especialmente entre jovens e adolescentes);
– Idade (entre 15 e 30 anos e acima de 65 anos). Vale salientar que o suicídio entre jovens aumentou muito nas últimas décadas no mundo e no Brasil. O número também é elevado entre idosos.
Quais são os transtornos mentais mais comumente associados ao suicídio?
Os transtornos mentais mais comumente associados ao suicídio são:
– Depressão;
– Transtorno do humor bipolar;
– Dependência de álcool e de outras drogas psicoativas;
– Esquizofrenia e certas características de personalidade.
Quais são outros fatores que podem levar a pessoa a querer cometer suicídio?
Ainda segundo o MS, se a pessoa já apresenta outros sinais de alerta para o suicídio, alguns outros fatores que vulnerabilizam o indivíduo devem ser levados em consideração, tais como:
– As crises políticas e econômicas;
– A discriminação por orientação sexual e identidade de gênero;
– O sofrimento no trabalho;
– A perda de um ente querido e a solidão;
– As doenças crônicas, dolorosas e/ou incapacitantes.
O tratamento dos transtornos mentais pode contribuir para a prevenção ao suicídio?
Sim! A Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina observam a necessidade de um diagnóstico e tratamento adequado dos transtornos mentais. Eles representam 96,8% dos casos de suicídio e a maioria deles poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem tido acesso a um tratamento psiquiátrico e informações de qualidade. Aliás, essas duas instituições criaram a campanha nacional do “Setembro Amarelo”, justamente para a prevenção ao suicídio, em 2013.
São mais de um milhão de casos de suicídio por ano, no mundo?
Sim! Os índices mundiais são alarmantes e demonstram que o suicídio passou a ser considerado um grave problema de saúde pública, com impactos na família e na sociedade como um todo. De acordo com a última pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), são registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, por ano.
E a ABP, juntamente com o CFM, observam que nestes indicadores não estão somados os episódios subnotificados. Com eles, as estimativas ultrapassariam 1 milhão de casos. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, ou seja, em média 38 pessoas cometem suicídio por dia. E vale destacar que 1 morte por suicídio, normalmente, impacta outras 6 pessoas próximas à vítima.
É possível prevenir o suicídio?
Sim! Segundo a OMS, é possível prevenir o suicídio, desde que, entre outras medidas, os profissionais da saúde, de todos os níveis de atenção, estejam aptos a reconhecerem os fatores de risco presentes, a fim de determinarem medidas para reduzir tal risco e evitar o suicídio.
O risco de suicídio é uma urgência médica?
Sim! O risco de suicídio é uma urgência médica devido ao que pode acarretar ao indivíduo, que vai desde lesões graves e incapacitantes até a sua morte. Assim, conforme a cartilha do CFM, a avaliação sistemática do risco de suicídio deve fazer parte da prática clínica rotineira de qualquer médico.
É fácil abordar o paciente e falar sobre doenças mentais ou o risco de suicídio?
Não. Conforme o Conselho Federal de Medicina, nem sempre é fácil para o médico não especialista abordar questões como a doença mental e avaliar o risco de suicídio.
Quais são as regras para fazer uma abordagem segura do paciente em risco de suicídio?
Para uma abordagem segura do paciente em risco de suicídio, algumas regras gerais do Conselho Federal de Medicina devem ser respeitadas:
1) Muitas vezes, os indivíduos chegam ao profissional de saúde da atenção primária com queixas somáticas, diferentes daquelas com as quais chegariam ao psiquiatra. Assim, é importante saber ouvir o paciente e entender suas motivações subjacentes;
2) Todo paciente que fala sobre suicídio tem risco em potencial e merece investigação e especial atenção. São fundamentais a escuta e o bom julgamento clínico. Não é verdade que quem fala que vai se matar, não se mata. Por impulsividade ou por erro de cálculo da tentativa, a fatalidade acontece;
3) O manejo se inicia durante a investigação do risco. A abordagem verbal pode ser tão ou mais importante que a medicação, pois faz com que o paciente se sinta aliviado, acolhido e valorizado, fortalecendo a aliança terapêutica. Dessa forma, é fundamental para o médico não especialista saber investigar e abordar a possibilidade de suicídio;
4) Também é necessário identificar e saber sobre o tratamento prévio de transtornos psiquiátricos existentes, como: depressão, bipolaridade, uso/abuso de álcool e outras drogas;
5) O profissional de saúde não deve ficar receoso ao investigar se aquele paciente tem risco de suicídio. O tema deve ser abordado com cautela, de maneira gradual.
Quais são as perguntas fundamentais que devem ser feitas em cada consulta e podem indicar uma tendência suicida?
Para o CFM, existem seis perguntas fundamentais em cada consulta, sendo as três primeiras para todos os pacientes:
1º) Você tem planos para o futuro? (A resposta do paciente com risco de suicídio é “não”);
2º) A vida vale a pena ser vivida? (A resposta do paciente com risco de suicídio novamente é “não”);
3º) Se a morte viesse, ela seria bem-vinda? (Desta vez, a resposta será “sim” para aqueles que querem morrer);
O que o médico deve fazer após as três primeiras perguntas?
Se o paciente respondeu como foi referido acima, o médico fará este próximo questionário:
4º) Você está pensando em se machucar / se ferir / fazer mal a você / em morrer?
5º) Você tem algum plano específico para morrer / se matar / tirar sua vida?
6º) Você fez alguma tentativa de suicídio recentemente?
O que deve ser feito se forem confirmadas as ideias suicidas? O processo termina?
Não. O processo não termina com a confirmação das ideias suicidas. Depois deste primeiro questionário, o médico deve realizar questões adicionais para avaliar a frequência e a severidade da ideação, bem como a possibilidade real de suicídio. É importante saber se o paciente possui algum plano suicida e os meios para praticá-lo.
Como avaliar o risco do indivíduo?
Após uma avaliação detalhada da história do indivíduo, incluído a tendência suicida e doença mental, é preciso estabelecer o nível do risco e a conduta para reduzi-lo, seguindo a seguinte orientação:
– Risco baixo: a pessoa teve alguns pensamentos suicidas, mas não fez nenhum plano.
- Manejo
- Proporcione uma escuta acolhedora para compreensão e amenização do sofrimento;
- Facilite a vinculação do sujeito ao suporte e ajuda, seja social ou institucional;
- Indique que seja feito um tratamento do possível transtorno psiquiátrico.
- Encaminhamento
- Caso não haja melhora, é necessário encaminhar o paciente para um profissional especializado, como um psiquiatra;
- Esclareça ao indivíduo os motivos do encaminhamento;
- Certifique-se do atendimento e agilize ao máximo, tendo em vista a excepcionalidade do caso;
- Tente obter uma contrarreferência do atendimento.
– Risco médio: a pessoa tem pensamentos e planos, mas não pretende cometer suicídio imediatamente.
- Manejo
– Tenha total cuidado com possíveis meios de cometer suicídio que possam estar no próprio espaço de atendimento;
– Faça a escuta terapêutica que possibilite que a pessoa fale e clarifique para si sua situação de crise e sofrimento;
– Realize o contrato terapêutico de não suicídio;
– Invista nos possíveis fatores protetivos do suicídio;
– Faça da família e amigos do paciente os verdadeiros parceiros no acompanhamento do mesmo.
- Encaminhamento
– Encaminhe o indivíduo para o serviço de psiquiatria para avaliação e conduta ou agende uma consulta o mais breve possível;
– Peça autorização para entrar em contato com a família, os amigos e/ou colegas e explique a situação sem alarmar ou colocar panos quentes, informando o necessário e preservando o sigilo de outras informações sobre particularidades do indivíduo;
– Oriente sobre medidas de prevenção, como esconder armas, facas, cordas, venenos e medicamentos.
- Risco alto: a pessoa tem um plano definido, tem os meios para fazê-lo e planeja fazê-lo prontamente ou tentou suicídio recentemente e apresenta rigidez quanto a uma nova tentativa ou tentou várias vezes em um curto espaço de tempo.
- Manejo
– Fique junto da pessoa;
– Nunca a deixe sozinha;
– Tenha total cuidado com possíveis meios de cometer suicídio que possam estar no próprio espaço de atendimento;
– Realize o contrato de não suicídio;
– Informe a família da forma já sugerida anteriormente.
- Encaminhamento
– Encaminhe o paciente para o serviço de psiquiatria para avaliação, conduta e, se necessário, internação. Caso não seja possível, considere o caso como emergência e entre em contato com um profissional da saúde mental ou do serviço de emergência mais próximo;
– Providencie uma ambulância e encaminhe a pessoa ao pronto-socorro psiquiátrico, de preferência. Ela não deve ir no carro de parentes ou amigos.
Problema de saúde pública mundial
Percebeu a importância do apoio emocional e da manutenção da saúde mental para a prevenção ao suicídio? Note que falar sobre o assunto e aprender sobre estratégias de atendimento contribui para salvar vidas. Sendo um problema de saúde pública mundial, todo o médico precisa estar preparado para atender pacientes em sofrimento e que não tenham mais alegria de viver.
CVV – Centro de Valorização da Vida
E se, porventura, você está passando por alguma situação difícil e com pensamentos contra si próprio, procure ajuda! O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e voip 24 horas todos os dias. A ligação no número “188” para o CVV é gratuita e o contato também pode ser feito pelo site.
Angatu
Já se você for aluno de medicina da Inspirali, saiba que pode contar com o apoio do Angatu. O projeto oferece acolhimento individual para futuros médicos que estejam com sintomas mais graves de ansiedade e depressão. Além disso, o Angatu contribui para a criação e o fortalecimento das relações interpessoais e dos vínculos coletivos e colaborativos. Saiba mais no portal da Inspirali e tenha a certeza de que você não está sozinho!