Todo mundo sabe que a prática precisa estar aliada à teoria em qualquer profissão. Na medicina, isso é mais que necessário: é imprescindível. Por isso, as missões humanitárias tornam-se oportunidades para que os futuros médicos vivenciem, além da prática, a realidade sociocultural dos pacientes.
Além da prática, nas missões, os futuros profissionais têm a possibilidade de desenvolver ainda o controle de emoções, a capacidade de lidar com imprevistos e o respeito com as diversidades, entre outras habilidades. Estas são algumas das lições que entram para o currículo e para a vida dos estudantes.
As recentes expedições realizadas pela Inspirali, principal ecossistema de educação médica do país, são prova disso. Em 2024, foram realizadas missões que levaram graduandos e professores de Medicina de todo o Brasil, para prestar atendimento de saúde às comunidades carentes na região de Santarém/PA, no Vale do Jequitinhonha/MG e no Benim, país da África ocidental, além de uma missão extraordinária no Rio Grande do Sul.
Vivenciando outras realidades
Em Minas Gerais, a Faseh, faculdade localizada no município de Vespasiano, é uma das instituições que participa das missões humanitárias. No começo de agosto, a instituição realizou a 1ª Missão Jequitinhonha que beneficiou populações de quatro municípios mineiros: Chapada do Norte, Berilo, Francisco Badaró e Jenipapo de Minas.
Lívia Lima, aluna do 8º período do curso de Medicina, foi uma das integrantes da iniciativa pioneira. Criada em uma família que já atua com projetos sociais, a estudante viu no projeto uma oportunidade para aplicar o exemplo aprendido com seus pais, além dos conhecimentos da graduação. “Cresci ouvindo do meu pai falar que é nosso dever oferecer o máximo de dignidade possível para as pessoas. Então, para mim, não é uma questão de doação, mas sim, de dever para com o próximo. E como missionária, pude unir esse meu lado técnico/acadêmico com o meu lado humano para cuidado com o outro”.
Integrante também do MedCirco, projeto de extensão que leva alegria e atividades lúdicas para crianças em hospitais da Grande BH, Lívia utilizou esse conhecimento como estratégia para tornar mais positiva a experiência dos pequenos pacientes durante os atendimentos. “A partir do momento que a gente atendia com o nariz de palhaço no rosto, a criança já parava de chorar e entrava no lúdico das consultas”.
Para Lívia, a Missão Jequitinhonha foi um momento marcante de sua formação médica. “Foi muito bonito poder unir esses dois lados e contribuir para tentar amenizar um pouco a situação de saúde pública do nosso país”.
Matula
Dhara Vitória César Garcia, aluna do 11º período, já havia participado da comitiva para a Amazônia e foi uma das integrantes da Missão Jequitinhonha. Natural de Pirapora, cidade do Norte de Minas, a acadêmica se preparou para encontrar pessoas vivendo em situação precária, mas, se surpreendeu com a riqueza cultural da população da região, a alegria e o carinho com que foram recebidos pelos moradores.
“Foi muito lindo ver como éramos acolhidos em cada comunidade. Era sempre um sorriso no rosto, olhares brilhantes, uma sensação de encantamento. Eles até preparavam para a gente uma ‘matula’, pequenos lanchinhos para que pudéssemos nos alimentar durante os atendimentos. Era sempre essa preocupação, esse zelo. Aprendi que, por mais que a gente tenha ido para cuidar, também acabamos sendo muito cuidados. Senti isso a todo momento lá”, lembra Dhara.
Para a graduanda, seu maior aprendizado foi uma nova forma de perceber os indivíduos que buscam atendimento de saúde. “Sou uma pessoa diferente depois dessa Missão. E essa nova Dhara vê o ser humano de forma muito mais integral, sem o foco apenas no diagnóstico dos pacientes. Aprendi que buscar entender que o aspecto psicológico também é importante e que suas outras questões, mesmo que fora da Medicina, também podem ser tratadas com o mesmo carinho que daríamos para um pai, uma mãe ou um parente nossos”.
Vivenciar o atendimento médico em uma realidade tão diferente da dela causou forte impacto, conforme destaca Dhara. “Passei a compreender que, independentemente de onde estiver atuando, é você que deve tentar entregar o melhor de si. Imagine por quanto tempo que aquela pessoa esperou uma consulta realmente acolhedora. Saber que posso fazer a diferença na vida dos outros me faz sentir muito mais grata e convicta da profissão que decidi seguir para a vida. É isso que me faz ter brilho nos olhos e me faz sentir que estou vivendo meu propósito dentro da Medicina”.
Na Amazônia
Já Iole Pedrosa, aluna do 8º período do curso de Medicina, participou da mais recente edição da Missão Amazônia. Para ela, fazer parte dos missionários na Amazônia foi muito importante para sua vida. “Isso muda a gente de dentro para fora. Você sai despida de preconceito. Me senti como se tivesse num outro mundo, num outro lugar, e não em uma parte do nosso país”.
De acordo com Iole, atuar como missionária provocou uma mudança na forma de olhar para o paciente, para além da queixa. “Temos essa mania de colocar rótulos nas pessoas, mas eu voltei de lá enxergando primeiro o indivíduo, depois os rótulos. A partir daí, quero entender quem é a minha paciente, com quem estou lidando, o que está acontecendo e no como posso ajudar, mais do que prescrever medicamentos. Quero saber a diferença que eu posso fazer na vida de alguém”.
Iole faz planos para o seu futuro, a partir de sua experiência na Amazônia. “Quero continuar participando de ações como essa, mudando a vida de outras pessoas, e fazendo assim, de certa forma, o meu propósito valer a pena. Vou começar a planejar e me preparar para outras missões, como a Missão África para ajudar quem está longe. Ou outros projetos sociais, para atender quem está aqui perto também”.
Medicina humanizada
Alexandre Cortez, médico de Família e Comunidade e professor do curso de Medicina da Faseh, acompanhou o grupo de estudantes da instituição na Missão Amazônia. O docente ressalta a importância desses projetos. “As missões têm um caráter humanitário de levar assistência médica a lugares ou populações que se encontram em situação de vulnerabilidade. Locais onde o acesso à saúde precisa ser garantido pelo Estado, mas nem sempre acontece dessa forma pública. Aí entra a parceria público-privado, que através das missões acaba oferecendo esse tipo de acesso à saúde para essas pessoas”.
“É uma experiência que eleva maior grau de sensibilidade, de acolhimento, de escuta ativa, de aconselhamento, de medidas não farmacológicas. Impacta o profissional em formação de todas as maneiras e desenvolve naturalmente esse caráter de mais responsabilidade e de ética profissional”.
Na opinião do professor, as missões podem determinar mudanças drásticas no pensamento, no currículo que o estudante vai construindo ao longo da sua formação acadêmica e no desenvolvido de suas habilidades nessas oportunidades. “É esse valor que não é mensurável, que é o valor humano de fato, que surge nos encontros entre pessoas, nesse cuidar do outro, nessa medicina humanizada”.
Nathan Mendes Souza, diretor Regional da Inspirali e docente do curso de Medicina da Faseh, evidencia que as Missões Humanitárias, atividades práticas e de extensão universitária, são um diferencial no currículo da Inspirali. “As Missões oferecem aos estudantes uma experiência única de aprendizado imersivo, permitindo que vivenciem a prática da medicina em um contexto real e desafiador. Essa experiência contribui para o desenvolvimento de habilidades técnicas e socioemocionais, preparando-os para uma atuação mais completa e eficaz na área da saúde”.