A convite da Inspirali, psiquiatra esclarece dúvidas relevantes sobre o consumo abusivo de álcool
Segundo Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo IBGE em 2019, 50% dos adultos brasileiros relataram ter consumido álcool nos últimos 30 dias. Isso significa que aproximadamente metade da população adulta no Brasil consome bebidas alcoólicas regularmente e que cerca de 18% destes tem um consumo de álcool classificado como de risco, ou seja, quantidade e frequência que podem levar à dependência ou causar problemas de saúde.
O alcoolismo é uma doença e pode desencadear problemas seríssimos para a saúde e para a sociedade. Pegando como gancho o Dia Nacional de Combate às Drogas e Alcoolismo, a Inspirali, principal ecossistema de educação médica do país, convidou a Dra Caroline Oliveira Romão, psiquiatra e professora da UniBH, para responder algumas dúvidas sobre o tema.
Confira:
1- O que é de fato o alcoolismo?
R: O alcoolismo, ou dependência alcoólica, é uma condição crônica que afeta a saúde mental e física do indivíduo e caracteriza-se pelo consumo descontrolado de álcool, onde a pessoa perde o controle sobre o hábito de beber e desenvolve uma necessidade constante de ingerir essa substância. Esta dependência, então, começa a prejudicar a vida social, profissional, familiar, levando a problemas de saúde nos relacionamentos e comportamentos arriscados.
2- Alcoolismo é uma doença?
R: Sim, o transtorno por uso de álcool ou a dependência do álcool são consideradas uma doença, inclusive com CID, que é o Código Internacional da Doença para a Dependência de Álcool, e pode acarretar vários outros sintomas e várias consequências negativas para a saúde da pessoa e das pessoas com quem ela se relaciona. Sendo assim, a Organização Mundial da Saúde classifica o alcoolismo como um transtorno mental e comportamental.
3- Quem é o especialista responsável?
R: O alcoolismo é considerado uma dependência química e por isso o tratamento idealmente é multiprofissional, incluindo o médico, muitas vezes o psiquiatra, além disso os psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e outros profissionais da saúde mental que têm um papel importante no tratamento e no apoio ao paciente.
4- Como é feito o diagnóstico de alcoolismo?
R: O diagnóstico geralmente envolve uma consulta para conversar sobre os hábitos da pessoa com consumo de álcool e o que isso acarreta para a vida dela. Usamos algumas escalas para isso. Por exemplo, perguntamos como a pessoa acorda no momento em que ela precisa ficar sem beber. É preciso também realizar exames físicos e laboratoriais. A partir desta consulta, é possível identificar os sinais de que aquele consumo de álcool não é mais recreativo, não é mais em momentos pontuais, mas que aquilo já está acarretando uma dependência e consequências negativas para a pessoa.
5- Quando a própria pessoa pode perceber que já é um alcoólatra?
R: O sinal mais evidente pode ser quando a pessoa percebe que perdeu o controle e não consegue mais parar de beber, como, por exemplo, quando está em um bar e começa a beber e percebe que já está um pouco alterado, mas não consegue parar. Ou, ainda, no caso de começar a acarretar problemas familiares, sempre quando bebe inicia discussões na família, fica violenta, se envolve em acidentes, falta no trabalho mas, mesmo assim, não percebe ou não consegue perceber que o álcool está afetando em sua vida.
6- Quais os principais sinais de alcoolismo?
R: Os principais sinais incluem consumo frequente e excessivo de álcool, a falta de controle sobre o consumo mesmo em situações inadequadas, negligência das responsabilidades pessoais, sociais, profissionais. A pessoa não consegue mais cumprir os horários no trabalho, começa a faltar em reuniões dos filhos na escola, começa a descuidar da aparência. Outro sinal é a questão da tolerância ao álcool, que é um sinal também da dependência que ele quer dizer que, cada vez mais, a pessoa precisa de mais quantidade para conseguir ter o mesmo efeito com aquela substância e sintomas de abstinência. Por exemplo, no dia seguinte que acorda, a pessoa tem tremores, sudorese, irritabilidade, enjoo e precisa beber para se sentir melhor para começar novamente o seu dia. Esse último já é um sinal de um alcoolismo mais grave.
7- Quais efeitos o alcoolismo causa no organismo?
R: O consumo crônico de álcool pode afetar vários sistemas do corpo, não só a saúde mental, mas a física também, e pode causar danos ao fígado, que é onde o álcool é metabolizado e transformado na substância que vai ser absorvida pelo nosso corpo, cirrose, hepatite, esteatose, hepática, esteatose é o álcool de gordura no fígado. Os problemas cardiovasculares também podem aparecer, como pressão alta, arritmia, problemas de coração. Dano cerebral é talvez o mais importante. A pessoa vai perdendo a capacidade cognitiva, ou seja, vai diminuindo a memória, diminuindo a atenção, ficando menos alerta com as coisas. Pode acontecer também distúrbios no sistema nervoso, como as neuropatias, onde a pessoa passa a perder a sensibilidade. Pode acontecer diabetes, pancreatite, desequilíbrios emocionais e mentais e os problemas no estômago, como as úlceras, pancreatite.
8- Qual impacto do alcoolismo na sociedade?
R: Ele tem um impacto muito grande. Não existe nenhuma afirmação concreta de qual é a quantidade segura de álcool para o ser humano ingerir. Portanto, o impacto vai desde o aumento dos custos com a saúde pública, porque vamos pensar que se uma pessoa começa a ter uma cirrose, uma úlcera, ela vai precisar de muito mais procedimentos, de muito mais medicação do que uma pessoa saudável. Também tem a questão dos acidentes de trânsito, da violência doméstica, a perda de produtividade no trabalho e os danos a relações familiares e sociais, aumentando os conflitos, as operações, os abandonos das crianças. E como o álcool é muito difundido na sociedade, então às vezes ele é a substância que mais causa esses impactos na vida das pessoas.
9- Como é feito o tratamento?
R: O tratamento do alcoolismo envolve a retirada do álcool do corpo, muitas vezes de forma controlada, às vezes até no hospital mesmo. Essa retirada é feita com o auxílio de medicações. Também usamos a terapia psicológica, a psicoterapia, o apoio em grupos de ajuda, como os alcoólicos anônimos. É muito importante também o suporte da família e da sociedade no geral, dos grupos com que aquela pessoa participa. E existem também algumas medicações específicas para ajudar no controle do álcool. É muito importante também tratar as com morbidades, porque durante esse processo, é necessário entender o que que levou a pessoa a usar o álcool dessa forma. Por isso a terapia é tão importante. Por exemplo, pessoas que são mais ansiosas socialmente tem uma dificuldade de conviver com outras pessoas e precisam beber para se soltar. Aí começa às vezes com isso, e toda vez que vai sair de casa precisa beber e vai perdendo o controle.
10- Existe tratamento pelo SUS?
R: Existe sim o tratamento pelo SUS. Ele oferece o tratamento todo para dependência alcoólica. Temos os CAPS, que são os Centros de Atenção Psicossocial, inclusive em algumas cidades têm o CAPS AD que é o CAPS Álcool e Drogas. Lá, a pessoa vai ter um atendimento ainda mais especializado, que é voltado para quem precisa de ajuda, geralmente eles funcionam de maneira espontânea, você também pode procurar qualquer unidade da saúde perto da sua casa que será orientado sobre o melhor lugar para ir. Existe atendimento médico, psicológico e também de outros profissionais, como assistente social, nutricionistas, que ficam nesses centros e, nos casos mais graves, vai ser necessário realizar internações, que também acontecem pelos SUS.
11- Alcoolismo tem cura? Explique
R: Não tem cura no sentido convencional da palavra. Pode acontecer de uma pessoa que já usou álcool de uma forma muito intensa, vai sempre precisar se cuidar e se policiar em relação a isso. Mas o alcoolismo pode ser tratado e controlado, sendo que a pessoa pode levar uma vida saudável desde que ela continue com o tratamento, com o apoio adequado para lidar com a dependência. Importante tratar no paralelo as questões psicológicas como gatilhos, ansiedade, depressão ou alguma insônia, etc. O sucesso do tratamento vai depender da adesão do tratamento e das mudanças do estilo de vida e do apoio social e familiar.
12- Quais os principais fatores que causam a dependência em álcool em uma pessoa?
R: A dependência pode ser influenciada por fatores genéticos. Isso significa que quem tem familiares com problema de alcoolismo ou de uso de outras substâncias, de abuso de outras substâncias, tem maior chance de desenvolver a doença. Também pode ser causado por fatores emocionais como estresse ou depressão e fatores sociais como pressão de amigos ou da própria sociedade, que vê no álcool uma coisa muito tranquila. Então pode começar dessa forma, mas se é uma pessoa que já tem alguma predisposição, isso pode ficar cada vez pior.
